O contador da inovação e a revolução que está transformando a profissão no Brasil

Por Valter Pieracciani, MSc. sócio-diretor da Piera

Nos últimos anos, enquanto a inovação ganhava força nas empresas, outra transformação, mais silenciosa, acontecia nos bastidores: a expansão do papel do contador. Esse profissional, historicamente associado à conformidade fiscal e ao rigor dos números, passou a ocupar um espaço muito mais estratégico. Hoje, ele é figura central em qualquer organização que pretende inovar de forma consistente e aproveitar mecanismos públicos de fomento, como a Lei do Bem, o Programa Mover – Mobilidade Verde e outros projetos de apoio ao P&D que são cada dia mais estratégicos para a competitividade.

O profissional de contabilidade…

A dinâmica da inovação exige mais do que boas ideias. Exige estrutura, processo, governança e, principalmente, alguém capaz de navegar entre legislação, tecnologia e negócios. É aqui que o contador se torna protagonista. Ele precisa dominar conceitos técnicos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, entender a fundo o que a legislação classifica como dispêndio elegível, diferenciar pesquisa básica dirigida do desenvolvimento experimental e saber interpretar padrões que vão muito além da contabilidade tradicional.

Esse trabalho envolve identificar salários, encargos, contratos, ativos, patentes, royalties e serviços que se enquadram como investimento em inovação. Nada disso é trivial. Uma classificação errada pode comprometer o benefício fiscal e gerar contingências tributárias significativas. Por isso, o contador deixou de ser apenas “quem registra”, para se tornar “quem gerencia”.

A responsabilidade inclui ainda o domínio apurado do Lucro Real, do Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR) e do Livro de Apuração da Contribuição Social (LACS). É preciso calcular corretamente exclusões, controlar diferenças temporais, aplicar mecanismos como a depreciação integral e amortização acelerada, além de compreender a lógica dos créditos compensáveis via PER/DCOMP. A complexidade aumenta quando consideramos que todo o processo precisa estar alinhado com os relatórios técnicos que detalham cada etapa dos projetos de P&D. Além, é claro do atendimento às melhores práticas de contabilidade e aos limites da legislação.

O profissional de contabilidade…

E há mais. A inovação exige rastreabilidade, registros e evidências. Cada despesa precisa ser comprovada, cada atividade documentada e cada evidência organizada de maneira auditável. Isso envolve contratos de serviços de apoio, encomendas tecnológicas (pesquisa), notas fiscais detalhadas, relatórios de execução, patentes, histórico de mudanças no quadro de pesquisadores, controles de horas e até documentos que comprovem testes, protótipos ou validações. O contador se transforma em guardião dessa memória técnica e financeira.

O ponto culminante desse trabalho é o envio do Formulário Eletrônico, o documento que consolida todo o benefício, ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Ele é a “prova de fogo” da governança da empresa. Um erro de preenchimento, uma inconsistência entre técnico e fiscal, ou uma nota mal alocada pode colocar tudo a perder. O contador é o responsável por garantir que isso não aconteça.

Esse novo papel o coloca no centro da estratégia. Ele deixou de ser o profissional que “entra no fim do processo” e passou a ser essencial desde o início. É ele quem orienta a empresa a organizar seus projetos de forma coerente, define padrões de documentação, recomenda caminhos mais seguros, evita riscos que custariam caro e dá suporte para que os investimentos em inovação aconteçam de forma sólida e sustentada.

Ao mesmo tempo, começa a trabalhar ombro a ombro com os engenheiros e tecnólogos. Assume a posição de ponte entre áreas técnicas, jurídicas, contábeis e a alta gestão. Esse trânsito entre mundos distintos exige habilidade, sensibilidade e conhecimento profundo. Não é mais apenas sobre números. É sobre estratégia, leis, regulamentos, mas, sobretudo, no que se refere à competitividade e ao futuro.

No cenário atual, em que a inovação dita o ritmo dos mercados, o contador se tornou peça indispensável. Ele traz clareza para a complexidade, organiza o que é técnico, traduz o que é legal e dá forma ao que é estratégico. Empresas que compreendem essa mudança conseguem aproveitar incentivos fiscais de maneira mais eficaz e inteligente e transformar investimento em vantagem competitiva.

Vivemos um momento em que inovar não é uma escolha, mas uma necessidade. E, nessa jornada, o contador deixou de ser coadjuvante para se tornar um ator essencial na construção do futuro de cada organização.

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