
Introdução
Os criptoativos – ativos digitais baseados em criptografia – têm ganhado protagonismo nas relações econômicas contemporâneas, impondo desafios ao direito contratual tradicional. Surgidos a partir do Bitcoin em 2009, são hoje centenas de criptoativos em circulação, permitindo transações financeiras diretas entre indivíduos sem a intermediação típica de instituições bancárias. Essa inovação impacta o modo de formar e executar contratos civis, pois introduz novos sujeitos, objetos e meios de cumprimento contratual, exigindo adaptação do ordenamento jurídico brasileiro. Este artigo examina, a partir de doutrina e jurisprudência recentes, (1) a definição e o funcionamento dos criptoativos; (2) o conceito e a aplicação dos smart contracts; (3) os impactos e desafios para o direito contratual tradicional; (4) a resposta do sistema jurídico e da doutrina brasileira; e (5) possíveis rumos regulatórios futuros. Cada seção é fundamentada em referências acadêmicas, notícias e normas atuais, privilegiando fontes brasileiras.
1. Definição e funcionamento dos criptoativos
Os criptoativos (ou ativos virtuais) são representações digitais de valor protegidas por criptografia e registradas exclusivamente em sistemas informáticos descentralizados. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), esses ativos surgiram para permitir “pagamentos ou transferências financeiras eletrônicas diretamente a outros indivíduos ou empresas, sem a necessidade da intermediação de uma instituição financeira”. Diferem das moedas nacionais: não possuem curso legal nem são obrigatórios em transações internas. De fato, não cumulativamente satisfazem os requisitos de meio de pagamento de curso forçado, unidade de conta e reserva de valor. Por essa razão, não são considerados moeda legal nem substitutos do real.
O funcionamento dos criptoativos se fundamenta em tecnologia de registro descentralizado (DLT). Toda transação é divulgada a uma rede de computadores (nós) e validada consensualmente pelo conjunto de participantes. Esse procedimento elimina o risco de “gasto duplo” e torna as operações praticamente irreversíveis: uma vez confirmada num bloco, a transação não pode ser desfeita sem consenso maioritário. As transações confirmadas são agrupadas em blocos encadeados (a chamada blockchain), formando um registro público e imutável. A propriedade do criptoativo é atribuída por chaves criptográficas secretas; não há verificação de identidade do titular pelo sistema, o que garante anonimato relativo nas transações. Em suma, os criptoativos são ativos digitais que valem por si e podem ser negociados via internet sem apoio de instituições financeiras tradicionais, o que gera impactos diretos no modo de celebrar e cumprir contratos.
2. Contratos inteligentes: conceito e aplicação
Smart contracts são contratos codificados em programas de computador, autônomos e autoexecutáveis. Werbach e Cornell definem smart contract como “um acordo em formato digital que é auto-executado e auto-implementado”. Na prática, trata-se de um software que contém cláusulas contratuais em linguagem de programação. Quando determinadas condições preestabelecidas são atendidas, o próprio código executa as obrigações pactuadas sem intervenção humana. Como exemplo didático, note-se a analogia com uma máquina automática de venda: se um usuário insere uma determinada quantia (condição), imediatamente recebe o produto contratado (execução), sem necessidade de terceiros.
Os smart contracts operam sobre a mesma cadeia de blockchain dos criptoativos, o que lhes confere descentralização, segurança criptográfica e imutabilidade do código. Cada contrato inteligente é armazenado em um bloco da rede e executado por mineradores (ou validadores) que alcançam consenso sobre seu resultado. Em linhas gerais, “as operações realizadas na blockchain não dependem da intervenção de intermediários, já que a validação dessas transações é realizada por nós na rede, utilizando criptografia”. Essa estrutura reduz custos de transação e tempo de execução, além de eliminar a necessidade de confiança interpessoal: a própria rede garante que, uma vez atendidas as condições (“se X, então Y”), as obrigações se cumprirão automaticamente.
- Aplicações práticas: os smart contracts podem espelhar váriasestruturas contratuais tradicionais. Em transações de compra e venda deimóveis, por exemplo, um smart contract pode ser programado paraliberar recursos financeiros somente após atestar eletronicamente oregistro do imóvel no órgão competente. Já em seguros paramétricos, umcontrato inteligente poderia pagar automaticamente ao segurado se sensores registrarem determinados eventos (como excesso de temperatura ou volume de chuvas). Setores como cadeia de suprimentos, IoT, direitos autorais e até relações societárias vêm testando essas aplicações. O advogado Pedro Cruz nota que smart contracts têm sidoúteis em “operações financeiras, transações imobiliárias, acordos decompra e venda, gestão de direitos autorais e automação de processosadministrativos”, oferecendo maior eficiência e redução de burocracia.
- Aspectos jurídicos: embora o conceito tecnológico seja claro, acaracterização desses contratos sob o direito brasileiro gera debates. Em tese, basta que haja acordo de vontades válido para formar contrato,conforme o Código Civil (art. 104, §1.º). Os smart contracts representamuma nova forma de formalizar o acordo: as promessas constam em códigoao invés de texto tradicional. No entanto, essa tecnologia introduz peculiaridades, como a inexorabilidade do código, a dificuldade de modificação pós-firmação e eventuais erros de programação que podem causar prejuízos imprevisíveis. São desafios ligados não só à semântica jurídica, mas também à segurança (falhas de código) e à proteção de dados (veja [28†L238-L246]). De todo modo, aplicações recentes demonstram que os smart contracts já vêm sendo celebrados no país, ainda que em cenário praticamente experimental.
3. Impactos e desafios para o direito contratual tradicional: Os criptoativos e smart contracts impõem rupturas e desafios ao direito contratual civil tradicional. Entre os principais impactos destacam-se:
- Natureza jurídica incerta: A carência de regulamentação específica gera dúvidas sobre a classificação jurídica dos criptoativos. A doutrina majoritária tende a entendê-los como bens móveis incorpóreos (ou meramente pecuniários) sujeitos a regras similares às de outros ativos digitais. Sabe-se, porém, que não se tratam de moeda nacional: não têm curso forçado nem unidade de conta oficial, o que os afasta da definição legal de moeda. Sua volatilidade extrema também impede qualificá-los de reserva segura de valor. No regime contratual, isso significa que obrigações denominadas em criptoativos exigem ajuste específico das partes sobre moeda equivalente, câmbio e flutuação, já que não se aplicam automaticamente as regras para pagamento em moeda oficial. A possibilidade de usar cripto como objeto contratual existe pela liberdade negocial (art. 421 do CC), mas deve-se considerar riscos de inadimplemento atípicos (p.ex. o depreço da moeda antes do cumprimento).
- Execução e cumprimento automáticos: Os smart contracts alteram aforma de executar obrigações. Num contrato tradicional, a inadimplência ou descumprimento dá ensejo a medidas executivas judiciais. Já o código de um smart contract não admite descumprimento: ele se cumpre forçadamente, transferindo valores ou ativos apenas quando ocorrer a condição prevista. Isso pode reduzir direitos coercitivos do credor: não há necessidade de pedir ordem judicial para efetivar o pagamento, mas também pode inviabilizar recursos previstos em lei (como a revisão judicial de cláusulas) se não houver alternativa técnica de frear o contrato. Autores observam que “por definição [os smart contracts] não podem ser levados ao Judiciário” e, portanto, surge a ideia de uma nova fase do direito – chamada Lex Cryptographia – para lidar com violações desse tipo de contrato. Em suma, a automatização põe em xeque princípios como a autonomia da vontade e possibilidade de revisão contratual, demandando soluções inovadoras.
- Efetividade das garantias contratuais: Como ressaltar a responsabilização em caso de fraude ou falha? A descentralização dificulta aplicar sanções a agentes que não se identificam. Por outro lado, a jurisprudência recente tem reconhecido que criptoativos possuem valor econômico e integram o patrimônio das partes. Na execução de sentença, o STJ já admitiu a penhora de criptomoedas do devedor, sob o argumento de que “as criptomoedas são ativos financeiros passíveis de tributação” e“têm valor econômico”. Assim, entende-se que, embora não sejam dinheiro oficial, podem responder por dívidas (§ art.789 do CPC) . Essa tendência judicial sinaliza que garantias contratuais (como penhoras, hipotecas ou garantias pessoais) também podem abranger criptoativos.
- Segurança jurídica e formalidades: O direito brasileiro exige determinadas formalidades para alguns contratos (por exemplo, escritura pública em imóveis). O uso de blockchain e smart contracts sugere transformar ou simplificar esses requisitos. Há projetos de lei (ex.: PL4/2025) propondo atualização do Código Civil para prever explicitamente a validade de smart contracts e documentos eletrônicos assinados digitalmente. Ainda não há consenso, e a insegurança persiste sobre a validade de cláusulas meramente algorítmicas ou sobre a prova dos contratos em juízo.
- Princípios contratuais impactados: Princípios centrais como boa-fé objetiva, função social do contrato e liberdade contratual ganham novas nuances. Por exemplo, a falta de transparência de um código de smart contract pode colidir com o dever de informação entre as partes. Já a descentralização contrasta com a ideia de autoridade e responsabilidade (quem responde se algo sair do script?). Autores apontam ainda que dispositivos de proteção ao consumidor serão acionados: muitos usuários de plataformas de cripto não têm formação técnica, o que pode inserir essa relação no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, impondo deveres extras às exchanges e cancelando cláusulas abusivas.
Em síntese, os criptoativos não tornaram caduca toda a disciplina contratual tradicional, mas introduziram inovações disruptivas. Entre os desafios estão integrá-los às normas patrimoniais (definindo-os como bens ou direitos tutelados), acomodar a execução automática no esquema de cumprimento forçado das obrigações e adaptar as garantias e responsabilidades contratuais às características da tecnologia.
4. Adaptação do ordenamento jurídico e doutrina brasileira
Diante desses desafios, o Direito brasileiro vem se adaptando por meio de regulações específicas, iniciativas regulatórias setoriais e debates doutrinários. Entre as principais respostas institucionais e interpretativas destacam-se:
- Marco legal dos criptoativos (Lei 14.478/2022): Em dezembro de 2022 foi promulgada a Lei 14.478, estabelecendo pela primeira vez no Brasil uma definição legal de “ativo virtual”: “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para pagamentos ou investimento, que não é moeda de curso legal”. A lei delimita ainda que serviços como intermediação, custódia e negociação de criptoativos – exercidos por Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) – ficarão sob supervisão do Banco Central, conforme o Decreto 11.563/2023. Assim, as exchanges e demais plataformas de cripto que atuam no país deverão seguir normas semelhantes às instituições financeiras: licença específica, compliance contra lavagem de dinheiro e governança robusta. Em termos contratuais, essa regulação significa que os termos oferecidos aos clientes das plataformas poderão ser examinados pelo BCE e FTC (como no caso da Nova Regulamentação de contrato de conta de cliente de cripto), e não podem violar normas consumeristas. A Lei 14.478 também incide indiretamente nos contratos privados, pois formaliza a equivalência dos criptoativos a ativos financeiros e prevê regras para stablecoins e NFTs conforme sua função econômica.
- Iniciativas tributárias: O governo federal vem atualizando as obrigações fiscais relacionadas a cripto. Em janeiro de 2025, a Receita Federal concluiu consulta pública sobre a “Declaração de Criptoativos” (DeCripto) – instrumento que atualiza a Instrução Normativa 1.888/2019. Espera-se publicar novo normativo ainda no primeiro trimestre de 2025, detalhando quais operações em cripto serão obrigatoriamente informadas e declaradas. Tal medida demonstra que o fisco pretende equiparar o tratamento dos ganhos em cripto ao de outras operações financeiras, o que afeta contratos bilaterais: ganhos de capital ou rendimentos auferidos por meio de contratos civis com cripto deverão ser tributados conforme a legislação vigente.
- Jurisprudência em formação: Os tribunais brasileiros começam a criar precedentes sobre questões de cripto e contratos. Além do já citado caso do STJ sobre penhora, há decisões estaduais considerando inválidos contratos simulados em cripto que mascaram operações ilícitas, reconhecendo a reversão de transferências e aplicando a Teoria da Asserção para demandas de rescindibilidade. Importante decisão do STJ em 2020 (HC 328.621) considerou competência da Justiça Federal para julgar caso de oferta pública de investimento em Bitcoins sem registro na CVM, tratando o contrato coletivo de investimento em cripto como “valor mobiliário”. Embora não trate diretamente de contratos civis, esse precedente indica que o Judiciário brasileiro encara algumas operações em cripto como enquadráveis nas normas de valores mobiliários e sistemas financeiros. Em síntese, a jurisprudência ainda está longe de consolidar entendimento uniforme, mas já se alinha em reconhecer os criptoativos como bens patrimoniais e em exigir que sejam declarados e liberados para cumprimento de obrigações.
- Adaptação doutrinária: A doutrina brasileira também reage às inovações. Autores brasileiros têm debatido, por exemplo, se smart contracts são contratos típicos ou apenas instrumentos de execução pré-contratual. Em geral, concluem que, desde que preenchidos os requisitos gerais (consenso, objeto lícito, forma adequada), um smart contract podeter natureza jurídica de contrato, ainda que seu “cumprimento” seja mediado por tecnologia. Estudos apontam, entretanto, que muitas cláusulas contratuais não podem ser codificadas (por dependerem de obrigações de fazer complexas ou julgamentos subjetivos), de modo que o smart contract só encarna parte da relação (especialmente a parte patrimonial e automática). No plano conceitual, termos como “Lex Cryptographia” (reforçando a ideia de uma nova “lex mercatoria da era digital”) emergem na literatura para sintetizar a necessidade de normas específicas que acomodem a natureza algorítmica dos contratos. Essa troca de ideias tem influenciado propostas legislativas: o PL 4/2025 (atualização do Código Civil) inclui seção sobre contratos eletrônicos e possivelmente smart contracts, demonstrando preocupação em dar respaldo legal expresso a essas formas contratuais digitais.
- Proteção do usuário: Pelo lado prático, jurídicos têm destacado a proteção do usuário dos serviços de cripto. Sob o prisma do direito do consumidor, vê-se que as exchanges não podem eximir-se de responsabilidade com simples cláusulas contratuais genéricas. A nova regulação do Banco Central já exige que essas plataformas operem de forma “segura, transparente e rastreável” e adotem políticas de prevenção à lavagem de dinheiro. Em caso de falhas técnicas (por exemplo, transferência indevida de cripto), decisões recentes têm aplicado a responsabilidade objetiva das exchanges, fundamentando-se na teoria do risco da atividade. Assim, mesmo antes de haver legislação específica sobre contratos de cripto, as normas gerais de responsabilidade civil e de proteção ao consumidor têm sido empregadas para proteger as partes vulneráveis.
Em resumo, o Brasil responde à inovação dos criptoativos por meio de normas setoriais recentes (CVM, Bacen, Receita), adaptações contratuais (codes hackeados nos smart contracts) e reflexão acadêmica. Embora o marco legal seja incipiente, já desenha-se um ambiente regulatório que considera os criptoativos ativos financeiros, sujeita seus prestadores à supervisão estatal e exige maior diligência nas relações contratuais envolvendo essa tecnologia. A doutrina, por seu turno, trabalha para enquadrar esses fenômenos nos institutos do Direito Civil, sem prejuízo de reconhecer a necessidade de evolução conceitual (como a Lex Cryptographia) para dar conta das especificidades tecnológicas.
5. Possíveis caminhos de regulamentação futura
O futuro do direito contratual em relação aos criptoativos dependerá da evolução das regulações internas e internacionais, além das tendências tecnológicas. Algumas direções prováveis incluem:
- Regulamentação específica de smart contracts: Projetos de lei (p. ex. PL 4/2025) devem tratar expressamente da validade dos contratos eletrônicos e inteligentes no Código Civil. Espera-se que sejam definidas regras sobre instrumentos de prova, assinatura eletrônica avançada e limites à autoexecução (por exemplo, cláusulas que permitam interromper ou reiniciar contratos inteligentes em caso de erro crítico, conforme apontado em debates legislativos). Essa regulação visaria garantir que, mesmo em contratos autônomos, princípios fundamentais (boa-fé, função social) sejam respeitados e que disputas tenham meios legais de solução.
- Aperfeiçoamento do marco regulatório de criptoativos: No Brasil, o esforço regulatório está em curso. O Banco Central anunciou que publicará normas para funcionamento das corretoras de cripto em 2025 e criará regras para classes específicas de ativos (como stablecoins) em 2026. Em paralelo, a CVM planeja revisar regulamentos de mercado de capitais para acomodar a tokenização de valores mobiliários, inclusive por meio de sandbox regulatório. Essas medidas devem trazer segurança jurídica às estruturas contratuais em blockchain, definindo direitos dos investidores, deveres fiduciários e regimes próprios para ofertas de tokens. Internacionalmente, há iniciativas como o regulamento europeu MiCA (Markets in Crypto-Assets) que padronizam obrigações de prestadores de cripto; o Brasil tende a alinhar-se a essas tendências para não isolar seu mercado financeiro digital.
- Participação do judiciário e de órgãos de cooperação: Projetos como o Criptojud do CNJ facilitarão a localização e bloqueio de criptoativos em execução de sentenças, como já sinalizou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. No futuro, pode haver inclusão de ordens eletrônicas padrão para contratos inteligentes e exigências de transparência técnica. Ademais, as autoridades judiciais e administrativas podem firmar cooperação internacional para combater fraudes contratuais em cripto, dada a natureza transfronteiriça dos ativos.
- Iniciativas acadêmicas e autorregulação: Além de leis formais, associações de indústria podem desenvolver padrões de governança e códigos de conduta para contratos em blockchain, tal como ocorre com outras tecnologias emergentes. A doutrina continuará propondo analogias contratuais e princípios norteadores, orientando juízes e legisladores sobre como integrar conceitos de confiança e reputação eletrônica às relações negociais digitais.
- Educação e preparação profissional: Por fim, espera-se que o direito contratual evolua pela formação de profissionais que entendam a tecnologia. Juristas e programadores podem precisar trabalhar juntos (“o código é a lei”) para redigir contratos híbridos (texto e código) eficientes e seguros. Essa interdisciplinaridade já é apontada na literatura como essencial para a maturação dos smart contracts no contexto jurídico.
Em síntese, o caminho regulatório futuro é de gradualismo estruturado: aperfeiçoamento das normas atuais (Códigos Civil e de Processo), criação de dispositivos legais específicos para a realidade digital e intenso diálogo entre setores público e privado. A experiência brasileira com o Marco Legal dos Ativos Virtuais (Lei 14.478/2022), as consultas públicas sobre o DeCripto e a agenda do Banco Central servem de base para uma evolução normativa que busque equilibrar inovação e segurança jurídica. O objetivo central será permitir que a tecnologia blockchain e os smart contracts sejam utilizados no direito contratual de forma harmoniosa, sem ferir direitos fundamentais nem tornar os contratos inexequíveis pelos meios legais tradicionais.
Conclusão
Os criptoativos e os smart contracts constituem um divisor de águas no direito contratual civil. Eles introduzem novos bens jurídicos (ativos digitais) e novas modalidades contratuais (contratos codificados) que desafiam a aplicação direta das normas tradicionais. Até o momento, o sistema jurídico brasileiro reage de forma adaptativa: trata os criptoativos como bens incorpóreos de valor econômico, regula prestadores de serviços e obriga a observância de princípios gerais do direito e da consumerista. A doutrina, por sua vez, procura enquadrá- los nas categorias existentes e reconhecer a necessidade de evolução (Lex Cryptographia) para contratos autoexecutáveis. Olhando adiante, espera-se que a combinação de leis específicas (como a Lei 14.478/2022), alterações legislativas (como o PL 4/2025), decisões judiciais progressivas e acordos técnicos (Blockchain Trust frameworks) consolide um ambiente em que contratos civis com cripto ativos sejam seguros e eficazes. O grande desafio será manter a flexibilidade inerente ao contrato – adaptável às circunstâncias –, ao mesmo tempo em que se aproveita a eficiência da tecnologia. Nesse processo, o Direito deve evoluir sem abandonar seus fundamentos: contratos baseados em vontade livre das partes, boa-fé, função social e dever de proteção às partes vulneráveis continuarão a orientar as inovações trazidas pelos criptoativos.
Referências: A fundamentação deste estudo baseou-se em literatura e fontes jurídicas recentes, como o alerta da CVM sobre criptoativos, artigos acadêmicos sobre smart contracts, reportagens de veículos especializados (Exame, Valor Econômico), notícias oficiais do STJ e do Governo Federal, bem como estudos doutrinários brasileiros especializados. Estas fontes destacam os principais conceitos, problemas e iniciativas regulatórias sobre criptoativos e contratos inteligentes no Brasil e no exterior, garantindo uma análise abrangente e atualizada.
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Manoel Carlos de Oliveira Júnior
Contador/Advogado
Conselheiro do Conselho Federal de Contabilidade
Coordenador da Comissão de Tecnologia e Inovação
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