Por Lorena Molter
Comunicação CFC/Apex
A pandemia da Covid-19 mudou os hábitos e as rotinas da população mundial. Ao mesmo tempo em que as lideranças globais buscavam soluções para as crises na saúde e na economia, homens e mulheres precisaram se adaptar à nova forma de viver. A vida do trabalhador, rapidamente, foi reprogramada e as casas de muitos profissionais transformaram-se em escritórios.
Nesse cenário, que surgiu a partir da disseminação do coronavírus, home office passou a ser uma expressão conhecida, principalmente por aqueles que precisaram desenvolver uma nova mentalidade de trabalho em um curto espaço de tempo.
Durante toda a pandemia, os profissionais da contabilidade não deixaram de trabalhar em momento algum. O distanciamento social e a limitação no contato social, tão necessários para se conter a doença, tornaram as atividades desses profissionais mais difíceis de serem realizadas. Contudo, as adversidades foram dribladas e os contadores, mais uma vez, provaram sua essencialidade. Isso porque estiveram ao lado do Governo contribuindo para que as inúmeras normas, publicadas com a finalidade de se conter os impactos econômicos no país, fossem aplicadas, de acordo com a necessidade de seus clientes.
As contadoras e o home office
Ainda que a mentalidade social tenha avançado nas últimas décadas, a mulher continua a carregar a bagagem cultural de ser, em muitos casos, a principal responsável pelos cuidados com a família e com a casa. Assim, mesmo que também tenha um trabalho fora de casa, acumula vários turnos de atividades.
No cenário da pandemia, as contadoras mostraram que são essenciais para o mercado de trabalho e para as suas residências e famílias. Em um período, assessoravam clientes fazendo planejamento e buscando aplicar as medidas de prevenção do emprego e da renda; nos outros, eram donas de casa, mães, esposas e exerciam tantas outras funções.
O impacto das mudanças e a certeza da força da mulher e de sua capacidade de adaptação foram algumas das percepções relatadas por essas profissionais. A contadora e mãe de dois filhos, Anabéli Perera, do Rio Grande do Sul (RS), conta como foi essa experiência. “O ano de 2020 foi marcado pelas mudanças. Mudanças de rotinas, mudanças de conceitos, mudanças de espaços. Com certeza, foi um ano que desafiou todas as pessoas do planeta e não foi diferente nas nossas casas. Conciliar trabalho em home office com crianças pequenas, como é o meu caso, foi desafiador. Foi necessário auxílio, para ter um espaço sem interrupções, durante algum tempo do dia, tanto para o trabalho como para acompanhar as aulas em homeschooling”, conta.
Apesar dos desafios, a contadora celebra os ganhos dessa nova realidade, que inclui o protagonismo das crianças e da família. “Tive a felicidade de observar que, em 2020, recebemos crianças de passagem nas telas dos notebooks ou ao fundo de ligações, algumas pedindo leite, outras curiosas para ver o que a mamãe estava fazendo. Acredito que o principal aprendizado foi perceber que parece que tudo mudou, mas, na verdade, nada essencial mudou. Continuamos atendendo aos clientes, continuamos a realizar o trabalho com qualidade e dedicação, continuamos a acompanhar nossos filhos se desenvolvendo e aprendendo todos os dias, seja nas aulas ou nas descobertas da infância. Continuamos a conviver com a família, mesmo que por chamadas de vídeos e festas através do computador”, conclui.
A capacidade feminina de gerar vidas também precisou ser ressignificada no ano em que o distanciamento social prevaleceu e as relações sociais se transformaram. A contadora e mãe de três filhos, Luciana Alencar, da Paraíba (PB), mostra a complexidade do feminino, demonstrando que, por trás das inúmeras atividades profissionais, há um grande compromisso com a família. “A adaptação com o nascimento da minha filha, o puerpério, gêmeos ainda pequenos e tendo que trabalhar remotamente foram exemplos de desafios que me tornaram mais forte, além de ter aprendido que temos, como mulheres, que ajudar umas às outras com empatia e sororidade. A pandemia me ensinou, principalmente, a enfrentar situações que antes eu achava não conseguir. O novo chega a assustar, nos causa pânico, não sou uma supermulher, mas aprendi a lidar com tudo isso, usando essas mudanças ao meu favor, especialmente a de passar mais tempo ao lado dos meus filhos, o amor pela minha família sempre me tornou resiliente”, pontua.
A contabilidade exige um perfil profissional que envolve foco em resultado, adaptabilidade, visão analítica e agilidade. As contadoras Deborah Barros, de Pernambuco (PB), e Katiucya Manfredini, do Acre (AC), demonstram que as características dos profissionais da contabilidade podem contribuir para vencer as incertezas de uma crise.
Deborah Barros, mãe de dois filhos, explica como foi sua estratégia de adaptação em sua empresa, que incluiu flexibilidade, diálogo, investimento e, sem dúvida, apoio para suas equipes, formadas, em sua maioria, por mulheres. “A adaptação demandou bastante esforço, não apenas para minha família, mas também para os quase 80 colaboradores, que passaram a exercer suas atividades em home office. Como mais de 90% das minhas equipes são formadas por mulheres e a maioria delas é responsável pelos cuidados com a casa e com os filhos, unimos forças nesse desafio e tomamos algumas medidas que foram essenciais”, esclarece.
Barros descreveu as ações que adotou. As iniciativas podem servir de modelo para homens e mulheres, veja a seguir:
“I- Estudamos e debatemos sobre os melhores formatos do trabalho remoto, inspirando-nos em empresas que já trabalhavam nessa modalidade.
II- Investimos em tecnologia e infraestrutura (notebooks, internet, segurança da informação e mobílias ergonômicas para os colaboradores que não possuíam).
III- Fornecemos equipamentos de proteção individual (máscaras e álcool 70%) e ajuda de custo para energia e internet.
IV- Implementamos novos métodos de acompanhamento de tarefas (para gerenciamento a distância).
V- Desenvolvemos novos formatos de comunicação e atendimento ao cliente.
VI- Realizamos muitos treinamentos nas áreas de segurança do trabalho (para uma correta organização no home office e cuidados diante da pandemia); saúde (para estimular hábitos saudáveis e proteger a saúde física e mental); gestão do tempo e produtividade (visando desenvolver rotinas confortáveis que atendessem às demandas pessoais e profissionais com qualidade); e na área de atendimento (para que o cliente se sentisse próximo e acolhido mesmo distantes fisicamente).”
Já Katiucya Manfredini, mãe de dois filhos, que disse considerar a resiliência o maior aprendizado desse período, desenvolveu estratégias para trabalhar da melhor maneira possível em sua casa. Seguindo seu perfil de contadora, a profissional fez uma análise de seu ambiente e desenvolveu soluções que se adaptassem à sua nova realidade. “O maior desafio na adaptação ao home office foi a relação com as crianças porque a presença materna contribui para o aconchego deles e, a todo momento, eles queriam chamar a minha atenção. No início, escutava o dia inteiro: ‘mãe cadê isso, mãe tô com fome, mãe vem ver o que fiz, mãe cadê meu carregador, mãe estou com dúvida...’”, relata.
Manfredini fala que, percebendo sua improdutividade mesmo se mantendo ocupada o dia inteiro, adotou algumas medidas que ela diz que foram extremamente importantes. Veja a seguir as estratégias da contadora:
“I- Criei meu escritório em casa em um ambiente fechado e mais afastado do ambiente das crianças.
II- Mostrei às crianças que, enquanto a mamãe mantivesse a porta do ‘escritório’ fechada, era por que ela estava trabalhando.
III- Montei meu quadro de horários em casa, uma espécie de ponto. Isso me deixou mais focada e produtiva e as crianças respeitavam aquele momento e não chamavam a mamãe.
IV- Nunca deixei de me arrumar para trabalhar, mesmo estando em casa. Ajudou bastante na autoestima.”
Como flexibilidade e adaptação constante às mudanças são características dos profissionais da contabilidade, também é possível encontrar exemplos de mulheres que já estavam ambientadas com a rotina de trabalho em casa. É o caso da contadora do Amapá (AP) e mãe de dois filhos, Lucélia Quaresma, que afirma se identificar com as atividades a distância. “Eu já gostava de trabalhar em home office mesmo sem imaginar uma pandemia, pois assumi alguns compromissos, como ser gerente contábil, em 2016, de uma grande empresa. Isso fez eu me afastar do escritório, pois sou empresária contábil, e, então, tenho que, além de fazer contabilidade, trazer clientes, divulgar minha responsabilidade técnica e nosso trabalho. Assim, tive que começar a trabalhar pela internet, em home office”, destacou.
A capacidade de gerenciar da mulher
Há muitas histórias de mulheres que, em entrevistas de emprego, foram questionadas se tinham maridos, filhos e as idades das crianças. Mesmo com certa evolução nos últimos anos, a sociedade ainda carrega alguns pensamentos e posicionamentos preconceituosos em relação ao feminino. Os salários das mulheres, em muitos locais, ainda são menores do que aqueles recebidos pelos homens. Elas também ocupam menos cargos de chefia e de liderança.
No entanto, a capacidade de conciliar o trabalho, as atividades de casa, a educação dos filhos e os cuidados gerais da família demonstram que, na realidade, a mulher é uma figura estratégica no mercado de trabalho. “Cada vez mais, as competências comportamentais, sociais e organizacionais estão tornando-se essenciais para o mercado de trabalho. A necessidade de a mulher gerenciar as inúmeras atividades nos seus variados papéis fez com que ela desenvolvesse ricas competências aplicáveis a qualquer situação ou segmento de negócio, tais como: adaptabilidade, autocontrole, análise crítica, visão holística, flexibilidade, resiliência, proatividade, criatividade, prudência, organização, capacidade de resolução de conflitos, comprometimento, persuasão, gerenciamento do tempo e de pessoas, comunicação assertiva, entre tantas outras. Tais habilidades tornam as mulheres mais bem preparadas não apenas para o mercado de trabalho, mas para a vida”, contextualiza Deborah Barros.
Já Lucélia Quaresma lembra da realidade de tantas mulheres que lutam ao lado de suas famílias. “Sempre olho uma ilustração de uma mulher que lava, passa roupas, uma vozinha, que cuida dos filhos toda descabelada, mas, ainda assim, consegue lutar ao lado do marido para trabalhar, vencer e conseguir ganhar dinheiro para viver bem. Gosto de me destacar onde vou e chamo de responsabilidade técnica mostrar que somos importantes como contadoras, então, imagina como mulheres”, reflete.
A contadora Luciana Alencar ressalta que a responsabilidade de gerenciar diversos compromissos é um diferencial para as mulheres, tornando-as ainda mais capazes para a execução de suas tarefas. “Ao realizar multitarefas, a mulher se torna, a cada dia, mais preparada para desempenhar suas funções no mercado de trabalho, uma vez que nos tornamos resilientes diante das demandas que o mercado nos impõe, ou seja, a importância de gerir e organizar o tempo, além do planejamento da semana e da rotina da casa e dos filhos me ajudam a prever os espaços de tempo livre e encaixar as atividades, seja de trabalho, seja familiar”, afirma.
Anabéli Perera concorda com Alencar e demonstra que ser, ao mesmo tempo, mãe, esposa, filha, trabalhadora e dona de casa não é motivo para discriminação. Na verdade, essa capacidade de ser tantas, no mesmo dia, é o que torna as mulheres, de todas as partes do Brasil, grandes potências no mundo dos negócios. “Já sabemos que as mulheres têm a capacidade de ser multifuncional, conseguem pensar em várias coisas ao mesmo tempo, e, por muitas vezes, fazer várias coisas juntas. E dá certo. O gerenciamento do trabalho, da casa e dos cuidados com filhos faz essa capacidade expandir, conforme os elementos são adicionados na vida da mulher. Podemos observar que essa qualidade é muito utilizada no trabalho, por meio da organização das atividades a serem desempenhas, da capacidade de absorver novas demandas ou demandas emergenciais com mais adaptabilidade e naturalidade”, argumenta.
Novos espaços têm sido conquistados pelas mulheres. Aos poucos, a sociedade vem descobrindo que não existe tarefa de homem e de mulher. Todos podem estar onde desejarem, em todas as profissões e cargos que sonharem. Contudo, alguns obstáculos ainda precisam ser superados. “Hoje temos representatividade na política, mulheres que assumiram grandes funções no mercado de trabalho, além das que estão liderando grandes empresas, universidades e, até mesmo, cidades onde antes predominavam o terno e a gravata. Porém, ao assumir esses papéis, nós mulheres acumulamos algumas funções domésticas e, infelizmente, ainda enfrentamos questões de violência contra a mulher, embora a Lei Maria da Penha signifique um avanço na luta pela defesa e integridade da mulher brasileira”, ressalta Katiucya Manfredini.
A contadora conclui ressaltando o protagonismo feminino. “Sobre o nosso papel na sociedade, posso afirmar que hoje nós mulheres temos mais autonomia, liberdade de expressão, bem como liberdade de ideias e de posicionamentos. Em outras palavras, deixamos de ser coadjuvantes para assumir um lugar diferente na sociedade, com novas possibilidades e responsabilidades, dando voz ativa ao senso crítico. Deixamos de acreditar numa inferioridade natural diante da figura masculina nos mais diferentes âmbitos da vida social e profissional.”
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