Entrevista: Andreas Bergmann, ex-chair do International Public Sector Accounting Standards Board (Ipsasb)

Por Maristela Girotto
Comunicação CFC


Andreas Bergmann, membro e presidente do Conselho Emissor de Normas Internacionais de Contabilidade para o Setor Público (Ipsasb, na sigla em inglês) de 2006 a 2016, participou de reunião, nesta quarta-feira (24), na sede do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), em Brasília-DF, do Grupo Assessor (GA) das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público, constituído pelo CFC com apoio da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

Diretor e professor do Instituto de Gestão pública na Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique – Suíça, ele foi conselheiro para o setor público em processo de reformas contábeis naquele país. Consultor e palestrante, Bergmann fala, na entrevista a seguir, sobre a importância da implementação das normas internacionais de contabilidade para o setor público pelos países.

  1. O Sr. esteve no Conselho Federal de Contabilidade, neste dia 24 de abril, para participar de uma reunião do Grupo Assessor (GA) do CFC para a adoção das Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (Ipsas, na sigla em inglês). Este GA foi constituído pelo CFC e conta com apoio da Secretaria do Tesouro Nacional, sendo responsável pela convergência das normas brasileiras ao padrão emitido pelo International Public Sector Accounting Standards Board (Ipsasb). Como o Sr. avalia o modelo de convergência indireta adotado pelo Brasil para a harmonização das normas de contabilidade para o setor público?

Andreas Bergmann) Todos os países que adotam as Ipsas devem escolher entre os métodos direto e o indireto. O método direto faz referência direta a padrões internacionais, enquanto o método indireto estabelece normas nacionais baseadas em padrões internacionais. A grande maioria dos países, incluindo os da América do Sul, escolheu o método indireto, pois permite uma adaptação ao quadro jurídico do país e uma adaptação à terminologia específica utilizada localmente, que pode diferir, mesmo entre países com a mesma língua, como, por exemplo, Brasil e Portugal. Nesse sentido, o método indireto respeita mais claramente a autonomia ou soberania de cada país. No entanto, esse método possui um risco de gerar divergência dos padrões internacionais. Por isso, é importante que profissionais especialistas estejam envolvidos no processo. No Brasil, esse papel foi assumido pelo Grupo Assessor (GA), constituído pelo CFC e pelo Tesouro Nacional. Para o GA, a qualidade e a conformidade das normas emitidas, com relação aos padrões internacionais, são aspectos relevantes no processo de adoção e implementação das Ipsas.

2) De 20 a 23 de agosto, haverá em Brasília-DF, o 1º Fórum dos Contadores Governamentais da América Latina (Focal), a ser realizado juntamente com o VI Seminário Brasileiro de Contabilidade e Custos Aplicados ao Setor Público (SBCASP). Qual a sua opinião sobre o status atual de implementação das Ipsas pelos países da América Latina?

Andreas Bergmann) Na América Latina, quase todos os países estão avançando com reformas na gestão das finanças públicas. Essas reformas incluem a adoção e implementação das Ipsas, para melhorar a contabilidade, bem como outros elementos, como a auditoria de demonstrações financeiras, a harmonização entre orçamento e contabilidade, orçamento de produtos, etc. O avanço que temos visto, nesse sentido, é impressionante, com os primeiros países já utilizando os padrões internacionais. São exemplos o Peru, o Chile e a Colômbia. O Brasil, juntamente com Equador, El Salvador, Costa Rica e Panamá, estão acompanhando o processo de perto. E há outros países que têm projetos iniciados, como Guatemala e Argentina. O Focal é um cenário relevante para esse desenvolvimento, pois os países da região podem discutir boas práticas contábeis com o apoio institucional de órgãos globais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Ipsasb e outros.

3) Segundo um artigo do Sr. (https://digitalcollection.zhaw.ch/handle/11475/12782), o desenvolvimento das Normas Internacionais de Contabilidade para o Setor Público (Ipsas, na sigla em inglês) iniciou-se em 1997, pelo Comitê do Setor Público (PSC), da Federação Internacional de Contadores (Ifac), posteriormente convertido no Ipsasb. Antes da crise financeira dos anos 1990, que incluiu as entidades públicas, a harmonização das normas internacionais de contabilidade praticamente não tinha importância para o setor público. Atualmente, mais de 20 anos depois do início do desenvolvimento dessas normas, quais ainda são os principais desafios, de modo geral, para a harmonização das normas de contabilidade para o setor público?

Andreas Bergmann) O primeiro desafio para o PSC, mais tarde conhecido como Ipsasb, era criar um conjunto de regras que cobrisse importantes transações governamentais. Embora o IAS – International Accounting Standards e o IFRS – International Financial Reporting Standards [normas contábeis internacionais para o setor privado] tenham sido usados como referência quando possível, este trabalho, voltado ao setor público, não deve ser subestimado, porque a Estrutura Conceitual, publicada em 2014, está ajudando muito a manter os padrões atualizados. Atualmente, um dos maiores desafios é integrar as várias funções da Gestão de Finanças Públicas com as Ipsas. Finalmente, à medida que nos aproximamos do final da implementação técnica, o uso de informações aprimoradas para prestação de contas e tomada de decisões será imperativo.

4) Em outro artigo (https://digitalcollection.zhaw.ch/handle/11475/10297), o Sr. conclui que as Ipsas têm a capacidade de aumentar a responsabilidade financeira geral e desencadear debates gerenciais. O Sr. poderia dar exemplos de casos em que as Ipsas são utilizadas como uma ferramenta de gestão?

Andreas Bergmann) Para ser mais claro, não são as regras em si, mas as demonstrações contábeis baseadas nelas, que constituem uma ferramenta para a prestação de contas e tomada de decisões. Os governos de países com demonstrações contábeis confiáveis e baseadas em padrões estão usando, cada vez mais, esses relatórios, inclusive o balanço patrimonial, para tomar decisões fiscais. Esse é o caso da Nova Zelândia e do Reino Unido, que usam o saldo para decisões de política fiscal. Em 2018, o FMI publicou um estudo que estima o potencial econômico inexplorado dos ativos do governo, em média, em 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Do lado passivo, uma imagem totalmente completa ajuda em uma magnitude similar para mitigar os riscos fiscais.

5) Qual a sua opinião sobre o futuro da convergência, de modo geral, das normas de contabilidade para o setor público?

Andreas Bergmann) Existem estudos da Federação Internacional de Contadores (Ifac) que indicam que, em 2023, isto é, no curto prazo, a maioria dos países estará em regime de competência, aplicando, de uma forma ou outra, as Ipsas. O próximo passo é reduzir as diferenças. Mas os frutos identificados pelo FMI também devem ser colhidos.

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