Por Idésio Coelho*
A convergência do Brasil às Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (Ipsas — International Public Sector Accounting Standards), que está em curso, é absolutamente necessária para o aumento da transparência do Estado e a consequente responsabilização dos seus dirigentes, tanto os eleitos como dos profissionais de carreira. Trata-se, assim, de uma ferramenta útil, a ser colocada a favor dos próprios administradores, órgãos de controle e da sociedade. Não resolverá todos os problemas, mas, se bem utilizada, será impulsionadora da modernização, mais compliance e eficiência na gestão.
Com esse avanço, nosso país alinha-se a 25 nações que já adotaram o novo modelo, dentre as quais a Nova Zelândia, França, Portugal, Espanha, Chile e Peru. Nosso processo de transição iniciou-se em 2015 e, conforme a Portaria 548/2015 da Secretaria do Tesouro Nacional, o cronograma para a implantação de todos os procedimentos relacionados à migração para o regime de competência irá estender-se até 2024.
Será uma revolução na forma como é feita a contabilidade do setor público. As mudanças são bastante expressivas e positivas. Hoje, União, Estados e municípios não têm registrado todos os seus ativos e passivos. Rodovias, parques, terrenos, bens de infraestrutura e dívidas podem não estar completa e adequadamente registrados no balanço patrimonial. As novas normas estabelecerão mais solidez à contabilidade pública, conferindo mais transparência sobre o patrimônio estatal, que, a rigor, pertence à população. Entendo que a contabilidade será um forte dispositivo de apoio ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A adoção do regime de competência permitirá aos organismos públicos e seus stakeholders (cidadãos, investidores, e administradores, dentre outros) terem maior visibilidade da real situação econômica e financeira, podendo, assim, tomar decisões melhores. Trata-se de procedimento que poderia ter contribuído para mitigar numerosos problemas ocorridos no país.
As normas internacionais possibilitarão, ainda, comparar a saúde financeira dos entes da Federação com órgãos de outras localidades e países, ou, dependendo do nível de controle, com entidades análogas da administração privada. Propiciarão, principalmente, a transparência sobre a gestão financeira. Transcendendo a prestação de contas de governos, elevarão a contabilidade pública à devida dimensão do Estado, em sua função precípua e constitucional de servir à sociedade.
Dada a relevância do tema, o Brasil tem um membro e um assessor técnico no órgão que edita, revisa e publica as normas, o Ipsas Board, vinculado à Federação Internacional dos Contadores (Ifac). É importante essa participação de nosso país, que, signatário do órgão, contribui para a evolução das normas e disseminação do conceito de “mais compliance” a elas agregado.
Vai chegando ao fim a falta de visibilidade. O novo regime de competência permitirá que as informações contábeis do setor público reflitam de modo mais consistente a execução orçamentária, o patrimônio e o impacto econômico das decisões políticas. Os brasileiros passarão a ter mais consciência sobre a gestão dos órgãos públicos e a saúde fiscal do Estado. Sem dúvida, trata-se de uma prática que responde aos preceitos da democracia que incluem justiça social, notadamente a aqueles que mais precisam.
Nesse contexto, é relevante o compromisso de contadores e auditores independentes, de garantir que o processo de adoção da contabilidade aplicada ao setor público seja efetuado com qualidade, dentro do cronograma estabelecido. Afinal, o Brasil tem pressa e a sociedade clama por igualdade e justiça social. Na agenda de transição em curso, há muito a ser feito antes da geração das informações contábeis: levantamento dos bens da administração pública, dados ou em não em concessão; avaliação por especialistas para se apurar o valor dos bens, por exemplo, estradas, praças e ruas; avaliação das dívidas e empréstimos contraídos; benefícios fiscais concedidos; avaliação dos planos de saúde e aposentadoria; avaliação dos créditos tributários, precatórios e outros títulos.
A captura e avaliação dos ativos, passivos, receitas e despesas demandam a mudança dos processos, controles internos, contratação ou utilização de avaliadores e outros profissionais qualificados. Provavelmente, exigirão, também, a revisão dos sistemas e programas de tecnologia e o treinamento de profissionais.
Para que essa tarefa seja cumprida, será necessária a ação determinada de muitos agentes. Contadores e auditores independentes podem e devem participar do trabalho, que ajudará a reforçar e discutir aspectos relevantes do setor público. Divulgá-los interna e externamente, inclusive lhes conferindo visibilidade midiática, pode ajudar a dar o toque e o tempero necessários para enfatizar os ganhos dessa convergência do Brasil às Ipsas. Vamos nos mobilizar para concretizar esse avanço. O Brasil tem pressa na adoção de todas as medidas que vão ao encontro dos direitos da cidadania.
*Idésio Coelho é presidente do Ibracon - Instituto dos Auditores Independentes do Brasil e membro do Conselho de Administração da International Federation of Accountants (IFAC) - Federação Internacional dos Contadores.
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