A Contabilidade como meio de igualdade

Por Gabriella Avila, Lorena Molter, Luciana Costa e Poliana Nunes

A sociedade ainda possui diversos desafios a superar quando o assunto é igualdade de gênero. Segundo dados do Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de mulheres é 51,5%, enquanto a de homens corresponde a 48,5%. De acordo com o Instituto, as mulheres também são a maioria quando se analisa dados como taxa de conclusão de ensino fundamental, médio e superior. Contudo, ainda ganham menos e possuem mais dificuldades sociais. Contudo, na Contabilidade as mulheres dizem acreditar que essa realidade é diferente. Conversamos com quatro profissionais que compartilharam as suas histórias na vida pessoal e profissional. Veja a seguir:

A educação como caminho estratégico para as mulheres no mercado de trabalho

É fato que o caminho para o sucesso profissional na Contabilidade passa pela qualificação profissional, principalmente no Brasil, onde a legislação muda com frequência. Para as mulheres na contabilidade, a constante atualização exigida dos profissionais pode ser um desafio a mais para prosperar na profissão, diante da necessidade de conciliar as capacitações com outras jornadas.

A professora Sônia Maria Gomes, membro da Comissão Nacional de Educação do CFC, compartilhou sua experiência nesse sentido, destacando a importância de uma rede de apoio durante sua jornada profissional.

“É um desafio grande para as mulheres conciliarem a vida profissional com a vida pessoal e com a família, com filhos ou não. O que torna um pouco mais fácil essa jornada é quando temos uma rede de apoio, isso faz uma grande diferença na vida. Acredito que cheguei aonde estou hoje por conta da rede de apoio que tive com minha família”, compartilhou ela.

Nesse cenário, outra possibilidade para garantir o acesso às necessárias capacitações, conciliando isso com as outras jornadas de uma rotina em geral corrida e até mesmo abrindo caminhos para cargos mais altos, é a Educação a Distância (EAD), modalidade de estudo por canais digitais. Em sua experiência na Comissão de Educação do CFC, Sônia Maria observa boas oportunidades. “É grande a oferta de cursos online e plataformas de EAD, que são ferramentas muito úteis que permitem a flexibilização do tempo com outras obrigações”, destacou.

A conselheira aponta ainda o impacto positivo da participação ativa de cada vez mais mulheres na profissão. “Incentivo as mulheres a investirem na educação e qualificação, porque isso aumenta suas chances de crescerem individualmente, mas também contribui para transformar o ambiente profissional como um todo, tornando-o mais diverso e inclusivo”, afirma. Segundo ela, ter mulheres em cargos de gestão e liderança também se reflete nas profissionais de contabilidade de forma muito positiva. “Quando você se destaca e chega a uma posição de liderança, passa a inspirar outras mulheres e abre caminhos para as próximas gerações de contadoras”, conclui Sônia.

Diversidade como ativo estratégico

Para a conselheira do CFC, Monica Foerster, a diversidade de gênero é um ativo estratégico para as organizações, ainda mais quando essa atuação ocorre em cargos de liderança. De acordo com a conselheira, a capacidade da mulher de equilibrar responsabilidades profissionais e pessoais contribui para o desenvolvimento de habilidades essenciais, as chamadas “soft skills”, como o gerenciamento adequado do tempo, capacidade de priorização mais efetiva e resolução de problemas.

“Essas competências são valiosas em contexto de liderança, em que a resiliência, bem como a capacidade de adaptar-se rapidamente a mudanças e encontrar soluções inovadoras é em geral necessária”, afirma a conselheira.

A atuação feminina em cargos de liderança pode desempenhar um papel fundamental no alavancamento da inovação e da criatividade nas instituições.

“Mulheres em posições de liderança trazem uma diversidade de perspectivas, vissões fora do tradicional histórico e experiências que enriquecem a dinâmica organizacional, promovendo um ambiente mais colaborativo e inclusivo. Essa diversidade é fundamental para a inovação, pois estimula a troca de ideias e a exploração de novas abordagens, resultando em soluções mais criativas e eficazes”.

Para Monica Foerster, a experiência de lidar com múltiplas demandas pode levar as mulheres a serem mais resilientes e criativas, influenciando positivamente a cultura organizacional e incentivando a mentalidade de inovação.

“Portanto, a presença feminina em cargos de liderança não apenas enriquece a tomada de decisões, mas também impulsiona a criatividade e a inovação nas instituições, demonstrando que a diversidade de gênero é um ativo estratégico para o sucesso organizacional”.

Experiência como sinônimo de inspiração

No mercado de trabalho e nos demais espaços de relações sociais, há diferentes tipos de preconceitos enraizados. Um deles é o etarismo, que significa o uso da idade de um indivíduo para caracterizá-lo de modo discriminatório, estereotipado e/ou depreciativo.

Segundo o Relatório Mundial sobre Idadismo – Resumo Executivo, de 2021, das Nações Unidas, “em escala mundial, de cada duas pessoas, uma é idadista contra as pessoas idosas”. Na Contabilidade, contudo, essa realidade é diferente. De acordo com a vice-presidente de Fiscalização, Ética e Disciplina do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Sandra Maria de Carvalho Campos, na profissão contábil, a experiência é bastante valorizada. A idade não é vista como um fator negativo, mas como a possibilidade de o colaborador possuir mais conhecimentos que podem ser compartilhados com a equipe. “A minha percepção é que a classe contábil enxerga os profissionais mais velhos com respeito e, até mesmo, admiração. Mas, isso não é assim de graça, pois como em qualquer outro campo profissional, a admiração e o respeito são conquistas de uma vida pessoal e profissional vivida com ética, retidão, coerência e responsabilidade, valores que inspiram as gerações mais novas”, explica.

A recepção desse público nas empresas de Contabilidade e de auditoria, segundo a contadora, é positiva, em que o preparo e a capacitação interessam os mais jovens e chamam mais a atenção do que as marcas de expressão e os fios brancos. “Os profissionais mais velhos são recebidos nessas empresas pelos mais jovens com uma grande expectativa em relação ao que podem agregar de conhecimento, somado à experiencia adquirida em uma jornada bem-sucedida”, conta.

A própria vice-presidente tem exemplos pessoais para compartilhar. A contadora é uma das lideranças na maior entidade da classe contábil, o CFC; possui mais de 20 anos de experiência no âmbito da contabilidade pública, onde também foi líder; e compartilha uma história bem-sucedida na iniciativa privada, espaço em que atua desde a aposentadoria no setor público. Na sua biografia profissional, há, inclusive, alguns anos de trabalho em uma big four – grupo das quatro maiores empresas contábeis do mundo que realizam auditoria e consultoria. “Fui convidada a integrar o quadro societário da KPMG aos 56 anos de idade. Como se isso só já não fosse surpreendente, minha atuação sempre havia sido no setor público. Para mim, foi o ápice de uma vida profissional, uma sensação de realização plena, mas, ao mesmo tempo, uma injeção de energia que me mantém ativa, produtiva e criativa até hoje, procurando inspirar os jovens de todas as idades, inclusive os 60+”, celebra.

Desafios de conciliar profissão e maternidade

“Conciliar a maternidade com a carreira profissional foi e é um desafio, mas é possível encontrar o equilíbrio, com planejamento e organização”, disse a conselheira do CFC, Gercimira Ramos Moreira Rezende. A boa gestão do tempo sempre foi um aliado para que a contadora pudesse dar atenção aos filhos – quer em situações de rotina, quer em momentos de interação afetiva – bem como favoreceu a carreira profissional e ajudou a reduzir o estresse inerente a vida de uma mulher que abarca essas duas vertentes.

E a Contabilidade é uma dessas profissões que favorece o protagonismo feminino. Atualmente, o número de profissionais mulheres quase se iguala ao número de contadores do sexo masculino. “No trabalho, tive o privilégio de optar por horários flexíveis ou alternativos, e, assim, pude adequar melhor a minha rotina como mãe e como profissional, contemplando todas as tarefas inerentes a essas funções de mãe e profissional”, disse a contadora.

Gercimira Rezende lembrou que dedicar tempo para o autocuidado é um ponto essencial para uma vida saudável, equilibrada e que torna a vivência mais suave e positiva. Ademais, a rede de apoio sólida é fundamental para conciliar as carreiras. “Apesar de toda essa organização, confesso que, por vezes, senti-me sobrecarregada, o que é normal. Mas, com a maturidade, fui aprendendo e aceitando que nem sempre tudo sairá como planejamos, e que está tudo certo. As experiências vão nos ajudando a sermos mais gentis conosco mesmas, sempre buscando o equilíbrio da melhor forma possível”.

Atualmente, além das tarefas profissionais, muitas mulheres se tornam “sanduíche”, ou seja, que assumem o desafio de cuidar simultaneamente de duas gerações: os pais idosos e os filhos ou até mesmo, netos. Lidar com a responsabilidade de cuidar dos pais, além do trabalho e dos filhos, pode ser desafiador, mas, para a contadora Gercimira Rezende, é fundamental que busquemos construir redes de apoio. “Com a cooperação dos irmãos, dos familiares, de profissionais, é possível conciliar as múltiplas responsabilidades. Na minha experiência familiar, organizamos a divisão de tarefas, e, assim, cada membro se faz presente na vida de nossos pais, e, particularmente, nos cuidados de demandas específicas”, ponderou.

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