Regulamentação de apostas esportivas e ativos digitais são destaques em seminário do CFC

Por Rhafael Padilha 
Comunicação CFC

O esporte brasileiro como um todo, especialmente o futebol, atingiu um patamar de complexidade e importância econômica que exige o mais alto nível de rigor e expertise contábil. Nesse sentido, o 3º Seminário de Contabilidade Aplicada às Entidades Desportivas apresentou duas atividades que trataram de temas inovadores: “A regulamentação das apostas no Brasil e os impactos financeiros e contábeis para os clubes” e “Ativos digitais e novas fontes de receita: contabilização de criptoativos, fan tokens e NFTs”. O evento, que aconteceu nesta quinta-feira (30), em São Paulo, foi organizado pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), pelo CRCSP e pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). 

Na palestra sobre a regulamentação das apostas no Brasil, a diretora da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Ana Carolina Monguilod, abordou a tributação e a contabilidade dos agentes operadores de apostas. Segundo ela, muitas dessas empresas, que estão operando regularmente no Brasil desde 2025, tinham jurisdições em diversos paraísos fiscais. “Ao operar no exterior, essas empresas não estavam sujeitas a qualquer tributação ou controle regulatório. Mesmo diante de uma suposta ‘antipatia popular’ sobre essas operadoras, é importante destacar o trabalho dos contadores no que diz respeito ao suporte requerido por essas mesmas empresas, que hoje pagam tributos”, explicou Ana. 

Atualmente, esses agentes operadores de apostas pagam uma alíquota de 2% a 5%, dependendo do município onde estão localizadas. “Temos diversas discussões acerca da base de cálculo do tributo que deve ser recolhido por essas empresas, principalmente no que diz respeito ao conceito de receita. Muitos imaginam que todo dinheiro aplicado pelos apostadores fica para a empresa, mas na verdade esse valor é dividido entre todos os apostadores, e apenas uma pequena margem é direcionada para a empresa”, completou.  

As taxas de fiscalização e a destinação dos tributos arrecadados também foram abordados pela diretora da ABDF. “Dentro do contexto da Reforma Tributária, assim que ela for implementada, essas empresas terão que pagar novas alíquotas. Percebe-se que esse é um dos setores mais tributados da economia brasileira. Quero deixar claro a todos a necessidade de avaliar o melhor caminho, em termos de política pública, para lidar com algo que já faz parte da cultura brasileira”. Em seguida, Ana Carolina apresentou dados sobre a relação entre apostas esportivas e a saúde pública no país. 

“A diferença entre o que é apostado e os prêmios pagos possui uma média de R$ 2,9 bilhões por mês. Cerca de 17,7 milhões de brasileiros apostam no país e a média de gasto por apostador ativo é de cerca de R$ 983 por semestre. Em comparação ao consumo de álcool, por exemplo, e a dependência causada pelo produto, a média sobre os números das apostas não é preocupante, ao levarmos em consideração tudo aquilo que se refere à saúde pública”, completou Ana. 

Após longa explanação teórica sobre as leis que regem o setor, Ana Carolina finalizou a palestra abordando regras e diretrizes para ações de comunicação, publicidade, propaganda e marketing. “É necessário que as autoridades forneçam à população informações claras sobre os riscos do vício e promovam educação e prevenção. Por sua vez, os publicitários devem se atentar a tudo que aparece nas propagandas, como cláusulas de advertência e veracidade da informação”, concluiu. 

Ativos digitais e novas fontes de receita 

O doutor em direito tributário pela Universidade de São Paulo (USP), Guilherme Peloso Araújo, foi o terceiro palestrante do dia e trouxe um dos temas mais relevantes sobre normatização técnica. O mediador da palestra, o vice-presidente de Desenvolvimento Profissional do CFC, José Donizete Valentina, deu as boas-vindas ao palestrante e afirmou que os ativos digitais vêm transformando profundamente a maneira como os clubes de futebol e demais entidades geram receitas e se relacionam com seus torcedores. “Criptoativos, fan tokens e NFTs representam novas oportunidades de monetização, engajamento e internacionalização das marcas esportivas, ao permitirem que o torcedor se torne parte ativa do ecossistema do clube”, definiu Donizete. 

Essa digitalização das relações econômicas do esporte cria fontes de receita e amplia o alcance das entidades, mas também impõe desafios técnicos e regulatórios que exigem a atuação qualificada da contabilidade. A ausência de normativos específicos no Brasil demanda o uso criterioso das as normas brasileiras e contabilidade e FRSs aplicáveis, considerando o aspecto como intangibilidade, valor justo, a variação cambial e outros fatores. Em sua fala inicial, Guilherme Peloso relembrou o surgimento dos ativos digitais e os desafios tributários que exigem o enorme envolvimento da contabilidade. 

“Tudo começou em 2008, quando acontece a primeira transferência de bitcoin da história. Com isso, a gente tem a primeira característica interessante dos ativos digitais. As operações são rastreáveis e indeléveis, não há possibilidades de serem apagadas ou deletadas. Ativos digitais não são identificados por pessoa, mas por códigos que transitam pelas redes. Trata-se de um novo paradigma tecnológico que permite a qualquer pessoa acessar essa ‘moeda de troca’ sem, necessariamente, ter um mediador”, explicou Peloso.  

No futebol, um fan token dá direito aos sócios torcedores, em sua maioria, a diversas possibilidades e vantagens, como ingressos antecipados, encontros VIPs, brindes, entre outros. “A Receita Federal classifica essa modalidade como ‘utility token’. O mundo esportivo precisa entender melhor o que fazer com isso, e a contabilidade ganha um aspecto super relevante nesse movimento”, completou Peloso. Ele explicou ainda que todo ativo virtual tem um descritivo chamado “white paper”, com as regras que regulam determinado jogo. “Com essas regras em mãos, advogados e contadores têm substratos do mundo real carregados nesse ativo digital E a Receita Federal não fica de fora disso”, acrescentou.  

Ao concluir suas análises, Guilherme Peloso reforçou a principal mensagem que transmitiu ao longo da palestra. “De fato, temos um mercado novo e pouco explorado. Com a grande vantagem do acesso direto ao detentor da riqueza, precisamos analisar o que as entidades farão daqui para frente”, concluiu. Em seguida, o debate foi aberto aos participantes para exposição de casos e esclarecimento de dúvidas.  

O 3º Seminário de Contabilidade Aplicada às Entidades Esportivas é o primeiro evento a ser transmitido por meio da plataforma Educont, lançada pelo Sistema CFC/CRCs com o objetivo de unificar e expandir as oportunidades de qualificação profissional a distância para a classe contábil em todo o país. Por meio da plataforma, o profissional da contabilidade pode pontuar no Programa de Educação Profissional Continuada (PEPC). Para os interessados em assistir a íntegra do evento, basta acessar o perfil do CFC no YouTube. 

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