Especial Maternidade: uma conta que não fecha

Por Ingrid Castilho
Comunicação do CFC

A saúde reprodutiva é direito humano reconhecido pelo Brasil e pela Organização das Nações Unidas (ONU) e garante a liberdade para todos os indivíduos decidirem se querem ter filhos, quando e com que frequência irão tê-los. No entanto, o fato de as mulheres engravidarem sempre gera um tabu na sociedade; uma das dúvidas mais comuns refere-se à conciliação da maternidade com as atividades exercidas antes da gestação.

Muitos direitos já foram garantidos, mas será que as profissionais da contabilidade conseguem gozar de todos eles? Nesta reportagem especial em comemoração ao Dia das Mães, conversamos com três contadoras para saber como elas se sentiram em relação à maternidade e como lidaram com as situações nesse período tão único de chegada dos bebês.

Foto: Contadora Adriana Macedo / Acervo pessoal

Gravidez

A gravidez veio de surpresa, com muita alegria, para a contadora Adriana Macedo, aos 37 anos de idade, após algumas tentativas e um tratamento de fertilidade. “Em novembro de 2022, descobri que estava grávida de três semanas. Eu nem acreditei; fiquei em transe, de tanta felicidade. Para mim, foi como um milagre, pois muitos médicos renomados me disseram que eu não conseguiria engravidar. Isso me fez agradecer muito a Deus”, relata, emocionada.

Após saber da novidade, Adriana começou a ser mais atenciosa com sua saúde. Decidiu se resguardar de viagens e eventos, e passou a trabalhar em home office. Segundo ela, diversas preocupações foram surgindo, como, por exemplo, se conseguiria dar conta das demandas; na rotina, porém, ela encontrou uma boa fluidez para gerar o bebê e realizar seus serviços. Como empresária contábil que faz recolhimento de INSS, a contadora pretende usufruir de todos os direitos que possui, mas continuará produzindo e alinhando as demandas do escritório, mesmo cuidando do filho.

“Um dia de cada vez. Estou indo para o oitavo mês da gestação, firme e forte com meu bebê. Trabalhando normalmente de casa ou às vezes até na sede do escritório, faço minhas reuniões on-line, e tudo certo. Confesso que quero continuar ativa no empreendimento após o nascimento do meu filho – desde que respeitando meu processo de maternidade e principalmente do bebê. As preocupações sempre vão existir, mas não quero que isso me deixe sem forças para continuar. É necessário entender que a gravidez é algo mágico, maravilhoso, e não é uma doença”, conta.

Puerpério

A contadora Luana Aguiar, também coordenadora da Comissão Jovem do CFC, explica que muitas preocupações vieram à tona em sua última gravidez. “Um dos meus principais receios referia-se à forma como eu seria vista. Terceira gestação, com tantos cargos e empresas... Sou professora de faculdade, mãe, dona de casa. A sobrecarga é muito grande, e a gente ainda fica com peso na consciência, por às vezes deixar um filho em casa ou voltar a trabalhar. A sociedade precisa entender que essa maternidade tem um olhar mais carinhoso e dedicado em seus afazeres e suas competências, especialmente os que estão ligados ao bebê”, conta.

Foto: Contadora Luana Aguiar com as filhas / Acervo pessoal

No escritório de contabilidade de Luana, a maioria do time é formada por mulheres que são mães. Assim, além de poder contar com o suporte da família, ela também viu na equipe um apoio para se dedicar à chegada de Maria Valentina, que nasceu prematuramente há cinco meses e precisou ficar na UTI por 20 dias. Os clientes também foram avisados, e boa parte entendeu o momento; porém, alguns também preferiram cancelar contratos por acreditarem que seriam prejudicados pela ausência da contadora. Luana, assim, acabou voltando às atividades antes de finalizar o período de licença-maternidade.

“Eu fico muito triste com essa situação do ‘Olha, ela engravidou’. Isso não vai acabar com as suas capacidades, jamais. Por muitas vezes, fiquei chateada, porque vi olhares tortos e senti que poderia prejudicar algo ou alguém. Por isso, talvez, quis mostrar algum tipo de serviço e que não era bem assim. Precisamos quebrar esse tabu de não contratar mulheres porque podem engravidar ou já tenham filhos”, explica a contadora.

Feliz ao lado de Maria Valentina, Luana demonstra muito amor pela sua nova bebê. Para ela, independentemente de tudo, a maternidade é algo que vale a pena. “Não temos palavras para descrever o quanto esse momento significa para a gente, com a chegada dela fortalecendo ainda mais o amor da nossa família. Somos gratos a Deus pelo presente que nos foi dado e pela missão de guiar essa vida pelos bons caminhos”, finaliza.  

Filhos nascidos

Mãe de dois meninos, a contadora Bruna Rauen conta que, desde o início da descoberta, sempre fez questão expressar a felicidade que sentia por estar grávida, a fim de sensibilizar as pessoas à sua volta sobre o tempo que se dedicaria à maternidade após o nascimento dos filhos. Assim, ela dizia o quanto estava feliz por se tornar mãe e recebeu muitas demonstrações de carinho.

“A minha gravidez foi um sonho realizado, um momento abençoado em minha vida, e fiz questão de compartilhar com meus contatos profissionais. Penso que fazer isso contribuiu para entenderem esse momento especial para mim. Quando meus filhos nasceram, muitos já estavam contagiados, participando comigo, e ficou claro que minha atenção se voltaria para a maternidade”, fala a contadora.

Com o nascimento do filho, ela decidiu ficar off das redes sociais, pausar viagens, diminuir o ritmo das atividades, mas não parar o trabalho por completo. Ela explica que o apoio familiar e profissional foi fundamental para conseguir conciliar tudo. “Trabalhei de casa e no meu tempo, o que me permitiu viver a maternidade com toda sua intensidade. Eu me entreguei por inteiro a esse momento gracioso”, detalha a contadora.

Foto: Bruna ao lado dos filhos / Arcevo pessoal

Ainda sobre a maternidade, Bruna fala que gostaria que todas as mulheres tivessem experiências felizes com suas gestações, mas sabe que não é sempre assim. Ela se solidariza muito quando recebe relatos de preconceito no trabalho, diminuição de responsabilidades e até mesmo palavras ofensivas. Para ela, falta conscientização sobre a grandiosidade do papel da mulher na missão de gerar e criar filhos.

Dados

A antropóloga econômica Ana Carolina Oliveira reforça que o papel da maternidade é pouco reconhecido, embora tenha uma grande importância para toda a sociedade. Para ela, o período do gestar e do ser mãe é um investimento que traz benefícios a longo prazo. “Se formos pensar em termos econômicos e sociais sobre o trabalho que ela dá, tanto a nível doméstico quanto estatal, a maternidade é a base da sociedade. A gente não consegue pensar em um contador, ou em um profissional de qualquer outra área, que não foi gestado por uma mãe. Assim, nós temos que recolocar esse espaço da mulher como mãe e como trabalhadora doméstica”, explica.

Ela relata que a ocupação da mulher nos espaços públicos tornou o trabalho doméstico ainda mais renegado para a sociedade, e diferençou as duas funções, colocando-as como desconexas. Ou seja, trabalhar fora é algo louvável, enquanto estar em casa cuidando de afazeres doméstico ou da criação dos filhos é considerado algo simples e sem valor. Isso torna os preconceitos e os tabus relacionados à maternidade, período no qual a mulher fica “menos ativa” frente ao Estado e aos empregadores, ainda maiores.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, considerando o tempo e a quantidade de vezes que é necessário amamentar o bebê em um dia, as mães gastam em média 650 horas em seis meses apenas nessa atividade. Economistas do Núcleo de Estudos em Economia Feminista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) também defendem que o salário de uma mãe deveria ser de, no mínimo, R$ 7.392, considerando as diferentes funções desempenhadas por elas no dia a dia, como trabalho doméstico de limpeza da casa, lavagem das roupas e preparo dos alimentos, além do deslocamento da criança para o pediatra, a escola, a casa de amigos, entre outras atividades.

Segundo a antropóloga, a falta de entendimento do papel da mulher faz com que continuemos “patinando em termos de reconhecimento feminino e nas possibilidades de oferecer uma vida mais saudável às mulheres, que são as que geram as maiores riquezas para a nossa sociedade: as pessoas”.

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